Resumo: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica constitui uma
eficiente ferramenta para evitar o enriquecimento ilícito decorrente do uso
irregular da personalidade jurídica. Seja a desconsideração direta da
personalidade jurídica, a inversa ou a entre grupos econômicos, o instituto tem
por objetivo a inoponibilidade dos limites de responsabilidade previstos no
contrato social perante o juízo. O instituto é processado como forma de
intervenção de terceiro, e todos os envolvidos devem ser citados no processo.
Quando o incidente é instaurado na fase de cumprimento da sentença, porém,
surge a questão da legitimidade. Quem não participou da fase de
conhecimento do processo não possui legitimidade para participar da fase
executiva. A decisão que julga procedente o pedido de desconsideração da
personalidade jurídica deve, então, ser modulada para definir quais sujeitos
terão legitimidade para participar do processo em sua fase executória.
Palavras-chaves: desconsideração da personalidade jurídica – processo
civil – cumprimento da sentença
Abstract: Abstract: The disregard doctrine theory constitutes an efficient
tool to prevent illicit enrichment arising from the irregular use of legal
personality. Being the disregard direct, inverse or among economic
groups, it aims to prevent the opposition of the responsibility limits written on
the social contract. The institute is processed as a third part intervention, and
all those involved must be brought to the process. When the
situation occurs during the judgement execution, there is the question of
legitimacy. Those who did not appear on the cognition stage can not be
responsible for the judgement execution. The decision of applying the
disregard doctrine must be modulated to define which subjects will have
legitimacy to participate in the enforcement stage.
Keywords: disregard doctrine – civil procedure – judgement execution
1. INTRODUÇÃO
Personalidade jurídica é instituto de direito material que visa separar a pessoa da
sociedade empresarial da pessoa natural dos sócios, através de um ato formal consubstanciado
no contrato societário, ou contrato social, devidamente registrado no órgão público competente.
Mas deve-se ressaltar que a sociedade empresarial, a empresa, e a firma, não possuem,
necessariamente, uma natureza contratual formal. Há, desde o começo do Século XX, uma
separação entre a atividade empresarial e a personalidade jurídica regularmente constituída, que
merece nota.
Segundo Nicolai J. Foss (FOSS, 2018), a visão contratual da empresa especifica os
recursos ativos, enquanto a não contratual trata de todos os elementos que compõem a atividade,
como a coordenação de conhecimentos e as opções estratégicas de mercado. É questão que
ultrapassa a simples formalização.
Nem toda personalidade jurídica é empresa. E nem toda empresa possui
personalidade jurídica regularmente constituída. Uma personalidade jurídica pode ser uma
associação, uma fundação, um condomínio ou uma sociedade simples, para dar exemplos. O
Superior Tribunal de Justiça, no Informativo nº602 (STJ, 2018), fixou o entendimento de que
“O art. 1.023 do CC/02 – que trata da responsabilidade dos sócios da sociedade simples – não
se aplica às associações civis.” Nessa esteira, deve ser considerado que o legislador não limitou
a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica às sociedades
empresariais, mas, genericamente, àquelas que possuem personalidade jurídica regularmente
constituída. Sobre o tema, é a lição de Orlando Gomes, em acepção adotada sob a égide do
Código Civil de 1916:
O fenômeno da personalização de certos grupos sociais é contingência
inevitável do fato associativo. Para a realização de fins comuns, isto é, de
objetivos que interessam a vários indivíduos, unem eles seus esforços e
haveres, numa palavra, associam-se. […] Surge, assim, a necessidade de
personalizar o grupo, para que possam proceder como uma unidade,
participando do comércio jurídico com individualidade, tanto mais necessária
quanto a associação, via de regra, exige a formação de patrimônio comum
constituído pela afetação dos bens particulares dos seus componentes. Esta
individualização necessária só se efetiva se a ordem jurídica atribui
personalidade ao grupo, permitindo que atue em nome próprio, com
capacidade jurídica igual à das pessoas naturais.(GOMES, 1996, pp. 185-186)
O Código Civil (BRASIL, 2018), no seu art. 45, definiu duas hipóteses de
tratamento das atividades empresariais, sendo que a formalização, que define o início da
atividade personificada, depende “da inscrição do ato constitutivo no respectivo registro,
precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se
no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.” A figura da personalidade
jurídica regularmente constituída traz todas as características necessárias para contrair
obrigações, responsabilidades e atos de gestão e administração. Segundo o art. 46 do Código
Civil (BRASIL, 2018) contrato societário regularmente constituído deve trazer a denominação,
os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; o nome e a individualização
dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; o modo por que se administra e representa,
ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; se o ato constitutivo é reformável no tocante
à administração, e de que modo; se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas
obrigações sociais; as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio,
nesse caso.
Se inexistente, ou, existente mas não registrado o contrato societário, a
responsabilidade dos sócios será ilimitada perante terceiros, aplicando-se o Código Civil no que
tange à sociedade não personificada, em seus arts. 986 e seguintes (BRASIL, 2018). E é nesse
ponto que se justifica a desconsideração da personalidade jurídica, como será visto no item
adiante. Sobre os efeitos decorrentes da personalidade jurídica, é a lição de Ricardo Negrão
(NEGRÃO, 2007, p. 179):
Na constituição das sociedades, o registro do contrato social ou dos estatutos
faz nascer a pessoa jurídica. São efeitos da personalidade jurídica:
a assunção da capacidade para direitos e obrigações;
os sócios não mais se confundem com a pessoa da sociedade;
a pessoa jurídica possui patrimônio próprio, distinto do de seus sócios;
a sociedade pode alterar sua estrutura interna.
A desconsideração da personalidade jurídica, durante muito tempo, foi um instituto
reconhecido pela lei de direito material e pelos microssistemas legislativos, mas que carecia de
uma regulamentação do seu processamento. O Código de Defesa do Consumidor trouxe a
previsão do instituto já em 1990, conferindo-lhe uma abrangência ilimitada, mas também sem
definir o procedimento. O legislador poderia tê-lo feito, já que se trata de um microssistema
legislativo.
Já em 2002, o Código Civil definiu as hipóteses de cabimento da desconsideração
da personalidade jurídica mas, como norma eminentemente de direito material, não estabeleceu
os meios para o seu processamento. Mais, pode-se dizer que trouxe uma norma aberta, com
limites de proporções um tanto amplas, que ensejaram inúmeras interpretações diversas pelos
tribunais, causando, como sempre ocorre nesses casos de amplitude exacerbada, a moléstia da
insegurança jurídica.
2. O INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Atividade empresarial e empresa possuem conotações distintas, e não se confundem
com o conceito de personalidade jurídica. Enquanto a atividade empresarial constitui toda a
atividade realizada pelo empresário com o objetivo de lucro, a empresa, em sua visão contratual,
traz muito menos. Pode-se dizer que o contrato societário é apenas um dos elementos da
atividade empresarial, que regula a relação entre os sócios e a relação da empresa e dos sócios
perante terceiros. Justamente por isso, o contrato societário é oponível a todas as pretensões
deduzidas em decorrência da atividade empresarial.
O contrato societário é oponível entre os sócios, para as pretensões de haveres no
decorrer da atividade societária e na dissolução, parcial ou total, da personalidade jurídica.É
oponível perante terceiros, delimitando a responsabilidade pessoal dos sócios pelas dívidas da
empresa, desde que regularmente registrado nos órgãos públicos competentes. E isso se aplica
às alterações do contrato social. Contrato não registrado é inoponível perante terceiros, mas terá
valor entre os seus signatários, que são os sócios.
Com base nessas premissas, desconsiderar a personalidade jurídica significa mantê-
la íntegra e hígida, mas ignorar absolutamente todas as previsões do contrato societário que
limitam responsabilidades2. Significa dizer que, para o juízo que a determina, a empresa
equipara-se à atividade empresarial não personificada, em que os sócios respondem
integralmente pelas dívidas da empresa, e vice-versa. Segundo o art. 990, do Código Civil,
“todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do
benefício de ordem, previsto no art. 1.024 [do Código Civil], aquele que contratou pela
sociedade” (BRASIL, 2018).
Existem duas teorias da desconsideração da personalidade jurídica: a maior e a
menor3. O Código Civil, em seu art. 50 (BRASIL, 2018), prevê a maior, e trouxe como
requisitos legais para a instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica
o abuso, configurado por:
a) a confusão patrimonial; e
b) o desvio da finalidade.
2 Neste sentido, o art. 790, do Código de Processo Civil, dispõe que são sujeitos à execução os bens do sócio,
nos termos da lei; e do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.
3 Serão analisadas tais teorias sob a ótica do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor,
respectivamente. O instituto da desconsideração da personalidade jurídica (e os seus requisitos legais) estão
previstos em outras partes do ordenamento jurídico, como no Código Tributário Nacional, na Lei nº. 9.605/98,
na Lei nº. 12.259/11 e na Lei nº. 12.846/13.
A tais requisitos legais, o STJ consolidou o entendimento, através do Informativo
nº. 0554 (STJ, 2018), de que se acrescentam outros, não previstos expressamente na lei:
O encerramento das atividades da sociedade ou sua dissolução, ainda
queirregulares,nãosãocausas,porsisós,paraadesconsideraçãoda personalidade
jurídica a que se refere o art. 50 doCC. Para a aplicação da teoria
maiorda desconsideração da personalidade social – adotada pelo CC -, exigese o dolo das pessoas naturais que estão por trás da sociedade, desvirtuandolhe os fins institucionais e servindo-se os sócios ou administradores desta para
lesar credores ou terceiros. É a intenção ilícita e fraudulenta, portanto, que
autoriza, nos termos da teoria adotada pelo CC, a aplicação do instituto em
comento. […]
Não existe uma lógica objetiva nesse entendimento, mas apenas abstrata, que
considera as consequências da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade
jurídica como excessivamente fortes, na livre disposição dos bens do executado. Esse
entendimento, como será visto adiante, causa um embaraço na aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica, pois somente os sócios com poderes de gestão empresarial podem
praticar tais atos dolosos e, por conseguinte, atacar o patrimônio daqueles sócios sem poderes
de gestão se mostra ilícito, sob o ponto de vista da norma hermenêutica.
Talvez alguma lógica resida na necessidade de se comprovar o dolo da pessoa
natural nas hipóteses de confusão patrimonial, apesar de o requisito legal ser claramente
objetivo. Mas nenhuma lógica reside na necessidade de se comprovar o dolo no desvio da
atividade-fim prevista no contrato societário. Isso porque, ao realizar atividade empresarial não
especificada no contrato, a personalidade jurídica está realizando atividade empresarial não
personificada, e, para tal, o Código Civil prevê que a responsabilidade dos sócios será integral
e ilimitada. Atividade empresarial exercida fora das finalidades do contrato societário é
atividade não personificada, por óbvio.
Com base nessa premissa, o próprio STJ consolidou o entendimento, no
Informativo nº. 0544 (STJ, 2018), de que o juiz, após a desconsideração da personalidade
jurídica, poderá atingir os bens dos sócios ou dos administradores, tornando a decisão
modulável quanto aos sujeitos. Também, no Informativo nº. 0524:
É certo que, a despeito da inexistência de qualquer restrição no art. 50 do
CC/2002, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica apenas
deve incidir sobre os bens dos administradores ou sócios que efetivamente
contribuíram para a prática do abuso ou fraude na utilização da
pessoa jurídica. Todavia, no caso de sociedade limitada modesta na qual as
únicas sócias sejam mãe e filha, cada uma com metade das quotas sociais, a
titularidade de quotas e a administração da sociedade se confundem, situação
em que as deliberações sociais, na maior parte das vezes, ocorrem no dia a dia,
sob a forma de decisões gerenciais. (STJ, 2018)
Dentre as modalidades de desconsideração da personalidade jurídica, tem-se a
direta (vista acima), a inversa e a desconsideração entre grupos econômicos ou grupos
societários. A desconsideração inversa da personalidade jurídica tem por objetivo atingir a
personalidade jurídica pela dívida pessoal do seu sócio. Extrai-se da casuística prevista no
Informativo nº. 0533, do STJ:
Se o sócio controlador de sociedade empresária transferir parte de seus bens à
pessoa jurídica controlada com o intuito de fraudar partilha em dissolução de
união estável, a companheira prejudicada, ainda que integre a sociedade
empresária na condição de sócia minoritária, terálegitimidadepara
requerera desconsideração inversada personalidade jurídica de modo a
resguardar sua meação. (STJ, 2018)
O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº. 8.078/90), por sua vez,
estabelece os requisitos da regulação da desconsideração da personalidade jurídica no seu art.
28, adotando a chamada teoria menor, os quais são bem menos restritos. Antes de analisar esses
requisitos, é importante salientar que o entendimento do STJ, anteriormente apresentado, de
que se faz necessária a atuação dolosa do empresário, não pode ser aplicado ao caso da relação
consumerista. Isso porque a responsabilidade do fornecedor é objetiva, o que significa que
independe de dolo ou culpa. A responsabilidade culposa apenas se aplica aos fornecedores
profissionais liberais, conforme dispõe o art. 14, §4º, do CDC (BRASIL, 2018), o que
pressupõe, muitas vezes, a inexistência de uma personalidade jurídica constituída e, por
conseguinte, a inaplicabilidade do instituto da desconsideração.
Nas relações de consumo, a desconsideração da personalidade jurídica do
fornecedor terá cabimento mediante o preenchimento dos seguintes requisitos:
a) abuso de direito;
b) excesso de poder;
c) infração da lei;
d) fato ou ato ilícito;
e) violação dos estatutos ou do contrato social; ou
f) quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da
pessoa jurídica provocados por má administração.
Tais requisitos são alternativos, e não cumulativos. A norma é aberta, o que
significa que o consumidor, protegido por sua natural situação de vulnerabilidade, não pode ser
prejudicado por qualquer ato relacionado aos limites do contrato societário que impeça a
responsabilização do fornecedor. Mais, o §5º, do mesmo art. 28, torna dispensáveis todos esses
requisitos, já que “[…] também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores” (BRASIL, 2018).
O Código de Defesa do Consumidor também prevê a possibilidade de
desconsideração da personalidade jurídica entre sociedades de mesmo grupo econômico, sem,
contudo, definir os limites dessa desconsideração. Estabelece o referido artigo que “[…] as
sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente
responsáveis pelas obrigações” (BRASIL, 2018); que “[…] as sociedades consorciadas são
solidariamente responsáveis pelas obrigações” (BRASIL, 2018); e que “[…] as sociedades
coligadas só responderão por culpa” (BRASIL, 2018). Falta clareza nas consequências da
aplicação do instituto, se o magistrado poderá incluir os sócios e as sociedades ou somente as
sociedades. Essa amplitude, a princípio, ficará a cargo do magistrado ao julgar o incidente, mas
nada impede que todos os corresponsáveis e coobrigados venham a integrar o polo passivo da
demanda em litisconsórcio.
3. O INCIDENTE DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
O ordenamento jurídico brasileiro sempre pecou pela ausência de normas que
regulassem o processamento da desconsideração da personalidade jurídica. Durante a vigência
do Código de Processo Civil de 1939, esse instituto sequer existia no Brasil. O Código Civil
vigente era o de 1916, e as teorias modernas da empresa, da firma e da atividade empresarial,
somente surgiram alguns anos depois. No Código de Processo Civil de 1973, também não se
cogitou a regulamentação do instituto e, com o seu surgimento, as normas apenas previam os
requisitos materiais para a desconsideração (os já analisados Código de Defesa do Consumidor
e Código Civil DE 2003). Cabia ao Poder Judiciário, em decisões muitas vezes contrastantes,
definir o processamento e os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica no processo,
aplicando a equidade ao procedimento. E julgamento por equidade é um instituto excepcional,
aplicável somente às hipóteses autorizadas por lei, que, no caso, era omissa.
No Código de Processo Civil de 2015, a desconsideração da personalidade jurídica
foi acertadamente tratada como modalidade de intervenção de terceiro, da espécie
litisconsorcial. Isso porque os citados, sejam eles sócios ou sociedades empresariais, passam a
integrar o polo passivo da demanda após a estabilidade subjetiva. Mas, como salienta Cássio
Scarpinella Bueno, a estranheza reside na previsão procedimental, segundo a qual o terceiro
interveniente não é citado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação, mas para
apresentar defesa por petição, como se o legislador o tratasse como espécie sui generis de parte
(BUENO, 2017).
Para regular a estabilidade subjetiva da demanda, o legislador hodierno autorizou,
nos arts. 338 e 339 do CPC (BRASIL, 2018), a substituição de partes até o momento da
contestação, em caso de alegação de ilegitimidade passiva pelo requerido. Em verdadeira
nomeação à autoria, o requerido aponta ao autor quem venha a ser o verdadeiro legitimado, e,
por aditamento da inicial, poderá ocorrer a alteração do polo passivo, substituindo-se o
requerido ilegítimo pelo nominado.
Também é possível estabilizar a demanda após o esgotamento das reconvenções. A
reconvenção não se limita, subjetivamente, às partes indicadas pelo autor na inicial, podendo
ser oposta pelo requerido em litisconsórcio com terceiro, e em face do autor em litisconsórcio
com terceiro, conforme dispõem os §§3º e 4º. do art. 343, do CPC (BRASIL, 2018). Nesse
sentido, poderá haver reconvenção da reconvenção, já que o terceiro reconvindo está sendo
demandado sem que tenha apresentado a sua pretensão ao juízo. Apresentá-la é direito seu, uma
vez demandado. A reconvenção da reconvenção, a princípio, somente é vedada nas ações
monitórias, por questão de organização judiciária e segurança jurídica, já que a pretensão do
autor pode se converter em execução direta, conforme expressamente disposto no § 6º, do art.
702, do CPC (BRASIL, 2018). Após o esgotamento das reconvenções, ocorre a estabilidade
subjetiva da demanda, definindo-se, de modo definitivo, as partes que figurarão como sujeitos
do processo.
Já no tocante ao litisconsórcio necessário, é possível que aquele que não integrou o
contraditório seja incluído no processo após a prolação da sentença. Se o litisconsórcio for
unitário, essa sentença será nula e a instrução deverá ser reaberta. Mas, se o litisconsórcio for
não unitário, essa sentença será válida, mas ineficaz àquele que não participou da fase de
conhecimento, devendo ser-lhe propiciada a oportunidade da ampla defesa, com prolação de
nova sentença, exclusivamente e relação a tal litisconsorte tardio, conforme dispõe o art. 115,
do CPC (BRASIL, 2018). Justifica-se, já que não poderá ser executado em cumprimento de
uma sentença proferida sem o respeito ao contraditório e à ampla defesa4. Sobre o tema, é a
lição de Juliana Borinelli Franzoi:
4 Os princípios processuais do contraditório e da ampla defesa constituem cláusula pétrea constitucional,
prevista expressamente no inciso LV, do art. 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, e norma
fundamental do processo civil, prevista expressamente no art. 10, do Código de Processo Civil.
O processo civil moderno é banhado pela cláusula do devido processo legal,
assegurada expressamente pela Constituição da República (art. 5º., inciso
LIV), não apenas sob um enfoque individualista da tutela de direitos
subjetivos das partes, mas, sobretudo, como um conjunto de garantias
objetivas do próprio processo, fator legitimante do exercício da jurisdição. […]
(FRAZNOI, 2016, p. 224)
À exceção das hipóteses de litisconsórcio necessário e da alteração subjetiva da
demanda, a estabilidade subjetiva se torna definitiva com a estabilização da decisão saneadora,
prevista expressamente no §1º, do art. 357, do CPC (BRASIL, 2018), e somente será
relativizada pela intervenção de terceiro ou nas hipóteses expressamente previstas pela lei5. E
isso deve ser levado em consideração tanto em relação à modalidade litisconsorcial como à
modalidade simples, já que, mesmo na assistência simples, o terceiro interveniente atua como
substituto processual em caso de revelia ou omissão do assistido, conforme disposto no art. 121,
parágrafo único, do CPC (BRASIL, 2018).
Sob tais premissas, o legislador previu a desconsideração da personalidade jurídica
como modalidade litisconsorcial de intervenção de terceiro, nos arts. 133 a 137, do Código de
Processo Civil (BRASIL, 2018), denominando o instituto expressamente como incidente, em
sua natureza jurídica, mas tratando-o como modalidade de ação, em seu processamento. Os
requisitos legais para a instauração do incidente são aqueles presentes na lei material, sendo
que o seu processamento é regulado pela norma processual. E foi nesse ponto que o legislador
pecou pela falta de definição do procedimento, como dito anteriormente.
Primeiramente, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica não pode ocorrer de ofício pelo magistrado, estando este estritamente vinculado ao
pedido das partes ou do Ministério Público, pelo que estabelece expressamente o art. 133, do
CPC (BRASIL, 2018). Sob a ótica do direito de ação, em que o autor apresenta pretensão e
formula pedido de tutela em face do requerido, essa previsão é acertada. Mas o legislador tratou
a desconsideração da personalidade jurídica como incidente, e não como ação! José Miguel
Garcia Medina, sobre o tema, destaca que, “[…] a despeito de tramitar incidentalmente, a
questão será resolvida como principal, de mérito, e não incidental, incidindo, no caso, o disposto
no art. 503, caput, do CPC/2015, podendo ser atacada de ação rescisória […]” (MEDINA, 2016,
p. 241).
O equívoco se apresenta nas hipóteses em que o juiz possa (e deva) agir de ofício,
como na fraude à execução, por exemplo. Ora, se o empresário reduz a sociedade empresarial
5 A exemplo, o art. 110, do Código de Processo Civil, dispõe que, “ocorrendo a morte de qualquer das partes,
dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos sucessores, observado o disposto no art. 313, §§1º e 2º”.
à insolvência, transferindo para si o patrimônio empresarial, no curso de demanda que seria
capaz de reduzi-la à insolvência, estarão presentes três elementos importantes:
a) a confusão patrimonial;
b) a má-fé e o intuito de fraudar; e
c) a fraude à execução.
Parece contraproducente que o magistrado, diante dessa situação hipotética, possa
reconhecer a fraude à execução de ofício, mas não possa fazer a desconsideração da
personalidade jurídica. Talvez o leitor conclua que, na fraude à execução, o contrato societário
se torna inoponível ao juízo, sendo desnecessária a citação do sócio fraudador e, por
conseguinte, a instauração do incidente, pelo que se extrai dos arts. 790, II e V, do CPC
(BRASIL, 2018). E essa conclusão está correta. O problema é o efeito prático, já que todos os
demais sócios se beneficiarão com esse ato, já que não terão seu patrimônio pessoal atingido, e
a sua empresa permanecerá insolvente e inadimplente.
O mais interessante, talvez, seja a vinculação que o legislador deu aos instituto da
desconsideração da personalidade jurídica e à fraude à execução, no art. 137, do CPC (BRASIL,
2018), fazendo com que aquela seja predicado para o reconhecimento desta. Voltando ao
exemplo anterior, na fraude à execução o magistrado ataca o patrimônio transferido,
independentemente de estar registrado em nome ou apenas na posse de terceiro. Não apura, por
conseguinte, a participação efetiva de cada sócio no ato fraudulento. São institutos de efeitos
práticos diferentes.
Seguindo a análise do Código, o legislador autorizou expressamente a instauração
do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, no art. 134, do CPC (BRASIL,
2018), “[…] em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na
execução fundada em título executivo extrajudicial.” Se houver requerimento de
desconsideração da personalidade jurídica formulado já na petição inicial, será dispensada a
instauração do incidente, cabendo ao juiz decidir de plano e determinar a citação do sócio ou
da pessoa jurídica.
No tocante ao processamento, o legislador foi econômico, nos arts. 134 e 135, do
CPC (BRASIL, 2018). Limitou-se a regular que a instauração do incidente, quando formulado
em momento posterior à petição inicial, suspenderá o processo e que, citado o terceiro (que
pode ser o sócio ou a sociedade empresarial), este terá 15 dias para realizar a defesa do seu
direito. O incidente é resolvido por decisão interlocutória, impugnável por agravo de
instrumento, ou por decisão monocrática do relator, impugnável por agravo interno, pelo que
dispõe o art. 136, do CPC (BRASIL, 2018). Como visto anteriormente, José Miguel Garcia
Medina discorda, com razão, dessa previsão (MEDINA, 2016). Afinal, decisões interlocutórias
não podem ser objeto de ação rescisória, mas, apenas, decisões de mérito que transitam em
julgado, formal e materialmente, pelo que se extrai do art. 966, do CPC (BRASIL, 2018).
4. EXECUÇÃO SINCRÉTICA E POR PROCESSO AUTÔNOMO E AS DEFESAS
TÍPICAS DO EXECUTADO
A execução é uma modalidade de procedimento que se caracteriza pelo mínimo de
conhecimento, pelo magistrado, acerca da pretensão do autor. Primeiramente, porque o
legislador vinculou toda a prova do autor aos documentos que acompanham a inicial, no art.
798, do CPC (BRASIL, 2018), impedindo-o de requerer provas posteriores, sob pena de
indeferimento da inicial. Ou o exequente comprova, na sua inicial, que é credor de obrigação
certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo, ou deverá adotar os
procedimentos típicos das ações de conhecimento, pois tais são pressupostos de validade da
ação executiva, conforme se extrai dos arts. 783 e 786, do CPC (BRASIL, 2018).
Por não haver espaço para a cognição plena nas execuções, as matérias de defesa
do executado (e a sua forma de processamento) são extremamente limitadas. Nesse sentido:
As execuções têm por principais características:
1. buscarem o cumprimento forçado de uma obrigação certa, líquida e
exigível em juízo;
2. não terem por objetivo primordial uma tutela de mérito, pois isso seria
absolutamente contrário à primeira característica da obrigação, que é a
certeza;
3. não serem procedimentos típicos de ações de conhecimento, pois o
exequente não precisa formar o convencimento do juízo acerca da
possibilidade ou não de concessão da tutela executiva no curso da ação.
Havendo título executivo de obrigação certa, líquida e exigível, o magistrado
deve, por força de lei, conceder a tutela executiva pretendida e providenciar o
cumprimento forçado dessa obrigação constante no título executivo. Ele
deverá ser convencido de que o título e a obrigação certa, líquida e exigível
existem, mas isso deve ser pré-constituído, ou seja, não se produzirá essa
prova no curso da execução. (LOVATO, 2016, p. 4)
Os procedimentos executivos são classificados em duas grandes vertentes: a
execução do título executivo extrajudicial e o cumprimento da sentença, conforme houver,
respectivamente, título executivo extrajudicial ou judicial. Dentro dessas duas grandes
vertentes, ainda existem as execuções por processo autônomo e a execução sincrética, nos autos
do processo que gerou o título executivo judicial. A execução por processo autônomo se aplica
aos títulos extrajudiciais e aos títulos judiciais previstos nos incisos VI a IX, do art. 515, do
Código de Processo Civil, conforme dispõe o §1º, do mesmo artigo (BRASIL, 2018).
O cumprimento da sentença por processo autônomo se justifica em razão da
competência. O órgão que gerou o título executivo judicial não possui competência para
promover a sua execução na esfera cível. Assim o são a sentença penal condenatória transitada
em julgado, a sentença arbitral, a sentença estrangeira após a sua homologação pelo Superior
Tribunal de Justiça e a carta rogatória após a concessão do exequatur pelo Superior Tribunal de
Justiça.
Essas classificações influenciam não somente o procedimento executivo mas,
principalmente, os meios de defesa do executado. Na execução de um título executivo
extrajudicial, o executado poderá defender o seu direito por meio de embargos à execução, que
serão propostos independentemente de qualquer garantia ou segurança do juízo, pelo que se
extrai do art. 914, do CPC (BRASIL, 2018). Os embargos à execução constituem uma ação
autônoma de conhecimento, que se resolve por sentença de mérito. É lícito, ao executado
embargante, autorizado pelo art. 917, do CPC (BRASIL, 2018), discutir nos embargos “[…]
qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”. Como
o prazo para a oposição dos embargos à execução inicia a contagem da juntada do mandado de
citação aos autos da execução, a ampla defesa será sempre respeitada.
Talvez um elemento que cause estranheza seja a previsão que o legislador deu à
defesa típica do executado no cumprimento da sentença. A forma será a impugnação ao
cumprimento da sentença, que assume a natureza de incidente processado nos autos da
execução. Em entendimento diverso, Araken de Assis define a natureza jurídica da impugnação
ao cumprimento da sentença como uma “ação de oposição à execução”, pois “insere-se uma
pretensão (de oposição), cujo conteúdo variará da apresentação ao juiz de objeções (execução
ilegal) ou exceções (execução injusta), ampliando o objeto do processo” (ASSIS, 2013, p.
1.353). O legislador, por motivos pouco compreensíveis, limitou o cabimento da impugnação
ao cumprimento da sentença à execução e obrigação de pagar, definindo o dies a quo para a
contagem do prazo de 15 dias como o primeiro dia após o término do prazo para o pagamento
voluntário, independentemente de nova intimação, pelo que dispõe o art. 525, do CPC
(BRASIL, 2018).
Essa previsão legal não merece prosperar, pois o excesso de execução, motivo
absolutamente plausível para a oposição de impugnação ao cumprimento da sentença, é
argumento vinculado, além das obrigações de pagar quantia, às obrigações de fazer e entregar
coisa, bem como à exceção por inadimplemento, conforme arts. 525, V e 917, §2º, do CPC
(BRASIL, 2018), e o mesmo se aplica a todas as objeções e exceções apontadas por Araken de
Assis (ASSIS, 2013). Por este motivo, especialmente, a impugnação ao cumprimento da
sentença deverá ser admitida em todas as hipóteses de execução do título executivo judicial.
Uma questão crucial diz respeito à matérias que o executado pode alegar em
impugnação ao cumprimento da sentença. Diferentemente dos embargos à execução, as
matérias da impugnação são limitadas pela lei. Embora exemplificativo, o rol do art. 525, do
Código de Processo Civil (BRASIL, 2018), determina que o executado poderá alegar falta ou
nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; ilegitimidade de
parte; inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;penhora incorreta ou avaliação
errônea; excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; incompetência absoluta ou
relativa do juízo da execução; qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como
pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à
sentença.
Veja-se que são matérias relativas à fase processual do cumprimento da sentença.
E isso se justifica porque é impossível discutir, em impugnação ao cumprimento da sentença,
questões que já foram atingidas pela preclusão ou pela coisa julgada na fase de conhecimento
do processo. E, ao determinar a citação dos terceiros em desconsideração da personalidade
jurídica, o magistrado já julgou o incidente sem a realização prévia de defesa dos citandos. A
impugnação ao cumprimento da sentença não se presta para fazer o papel de recurso ou de ação
rescisória. O momento processual oportuno para isso é o da fase de conhecimento. Questões
como a inexequibilidade do título executivo afetam, tão somente, a fase executiva, sem alterar
a decisão judicial que lhe dá suporte.
5. LIMITES LEGAIS PARA A APLICAÇÃO DO INCIDENTE NO CUMPRIMENTO
DA SENTENÇA
Conforme visto nos itens anteriores, a desconsideração da personalidade jurídica
tem como foco a responsabilização pelo mau uso da atividade empresária e do contrato
societário. A má-fé, o intuito de fraudar ou de prejudicar terceiros faz com que a aplicação do
instituto tenha a finalidade de preservar a segurança jurídica e a legalidade, evitando o
enriquecimento ilícito e, em especial, a ineficácia da tutela jurisdicional e o resultado útil do
processo.
Ao realizar a desconsideração da personalidade jurídica, o juízo deve providenciar
a citação de todos os envolvidos, consoante determinado pelo magistrado. Se a desconsideração
for direta, os sócios deverão ser citados para integrar o polo passivo da demanda; se for inversa,
a personalidade jurídica deve ser citada; se for entre grupos econômicos, todas as
personalidades jurídicas e sócios envolvidos deverão ser citados. Como visto, é modalidade
litisconsorcial de intervenção de terceiro.
O principal efeito da aplicação do instituto é, sem dúvida, a inoponibilidade dos
limites do contrato societário ao juízo que processa a causa. Todos os litisconsortes passam a
ser coobrigados ou corresponsáveis pelas obrigações a atos ilícitos controvertidos no processo.
Um sócio pode responder com o seu patrimônio pessoal pela integralidade da dívida da
personalidade jurídica, tendo, para si, o direito de regresso ante os demais litisconsortes. Tratase do “redirecionamento da execução” (BUENO, 2017, p. 571), e esse ponto merece destaque.
O legislador trouxe previsão expressa acerca da legitimidade para figurar no
cumprimento da sentença, tendo estabelecido expressamente, no §5º, do art. 513, do CPC
(BRASIL, 2018), que a ação executiva não poderá ser promovida “em face do fiador, do
coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”. Faltou
definir, porém, o que venha a significar “participado”, se como parte ou qualquer outro sujeito
do processo.
Não se pode limitar a legitimidade à atuação do sujeito como parte da fase de
conhecimento pois, se assim for a interpretação do texto legal, o assistente simples, mesmo
tendo atuado como substituto processual ou exercido direitos como o de recorrer, por exemplo,
não teria legitimidade para ser executado quando codevedor. No mesmo sentido, o perito que
não recebeu seus honorários aprovados por decisão judicial pode executar seu crédito como
cumprimento de sentença nos mesmos autos em que atuou como órgão auxiliar do juízo,
autorizado pelo art. 515, V, do CPC (BRASIL, 2018), o que estaria impedido por lei caso a
participação na fase de conhecimento fosse limitada à condição de parte.Essa interpretação
merece a amplitude da participação genérica.
Com base nesse entendimento, surge a problemática aqui apresentada: quais são os
limites legais para a desconsideração da personalidade jurídica no cumprimento da sentença?
Usando a modalidade direta como exemplo, o sócio que não participou do processo
em sua fase de conhecimento como representante da pessoa jurídica, como preposto, ou mesmo
como depoente, não pode figurar no polo passivo do cumprimento da sentença. Isso porque
nunca tivera a oportunidade de exercer a defesa dos seus direitos na fase de conhecimento, e
não pode ser atingido pela preclusão e pela coisa julgada. O Código de Processo Civil traz
vedação expressa a qualquer interpretação diversa, pois prevê, em seu art. 506, que “a sentença
faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros” (BRASIL, 2018).
A solução para a hipótese de desconsideração direta da personalidade jurídica, na
fase de cumprimento da sentença, é a decisão modular. O magistrado, mediante análise
minuciosa dos autos, deverá dar por procedente o pedido de desconsideração da personalidade
jurídica delimitando quais serão os sócios que possuem legitimidade para figurar na fase
executiva, com base em sua participação na fase de conhecimento – é a modulação subjetiva.
Os que, de nenhum forma, participaram da fase de conhecimento, não poderão ser citados, e
aos litisconsortes caberá a ação de regresso contra aqueles. Não há novidade nessa afirmação,
já que o Superior Tribunal de Justiça, em situação semelhante, editou a súmula nº. 435, segundo
a qual, “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu
domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da
execução fiscal para o sócio-gerente” (STJ, 2018).
Já a desconsideração inversa da personalidade jurídica e a desconsideração entre
grupos econômicos encontra o mesmo óbice, que tem efeitos ainda mais restritivos. Muito
provavelmente a pessoa do sócio terá atuado sozinha na fase de conhecimento, sem qualquer
participação da sociedade ou dos demais sócios, defendendo interesse pessoal. A pretensão que
gerou a ação de conhecimento será pessoal, e a personalidade jurídica da qual é sócio não terá
absolutamente nenhuma oportunidade de defesa de direitos. Fazer a desconsideração da
personalidade jurídica para atingir o patrimônio da sociedade é violar expressamente todos os
dispositivos legais acima apresentados, é violação ao devido processo legal. E o mesmo se
aplicará à sociedades empresariais de mesmo grupo econômico.
A ilegitimidade para figurar na fase de cumprimento da sentença impede a efetivação
da desconsideração da personalidade jurídica inversa e a de grupos econômicos. Autoriza, em
parte, a desconsideração direta, desde que a decisão seja modulada em relação aos sujeitos. Isso
não impedirá, por óbvio, posterior ação em que as partes atingidas venham a buscar o seu
regresso. Essas conclusões não são boas, sob o aspecto social e da segurança jurídica, mas
tornam necessárias em razão do sistema processual, e resultam na inevitável crítica ao
legislador, que perdeu uma excelente oportunidade de criar um procedimento bem definido e
adequado à boa técnica processual.
6. CONCLUSÃO
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica, como intervenção de terceiro,
é incidente que deve ser resolvido por decisão própria. Nessa decisão, obrigatoriamente, o
magistrado deverá reconhecer a existência dos requisitos legais que a autorizam. Faltou, porém,
a definição desse procedimento pelo legislador.
Isso porque o incidente é instaurado ante aqueles que efetivamente participam do
processo até aquele momento. Se for desconsideração direta da personalidade jurídica, somente
a pessoa jurídica, representada por seu administrador, ira participar do incidente e exercer o seu
direito à ampla defesa. Se for inversa, somente o sócio participará. E, se for entre grupos
econômicos, somente a pessoa jurídica demandada.
Serão dois os momentos de defesa de direitos a serem respeitados pelo magistrado no
processo: a fase de conhecimento, que dá ensejo à sentença; e o incidente da desconsideração
da personalidade jurídica. O legislador limitou o exercício do direito de defesa do terceiro ao
peticionamento, nos autos, em 15 dias. Esse peticionamento, por óbvio, se referirá ao acerto
ou ao erro do magistrado em julgar procedente o instituto da desconsideração. E esse, talvez,
seja o maior dos problemas da instauração do instituto na fase de cumprimento da sentença.
Se o terceiro for trazido ao processo por força da desconsideração na fase de
conhecimento, poderá fazer uso de todos os meios de defesa em direito admitidos, cabendo ao
magistrado lhe conceder a faculdade de agir sob pena de violação ao postulado constitucional
da ampla defesa. A sentença o atingirá, mas somente após a análise, pelo magistrado, de todos
os elementos que, em tese, possam resultar na sua convicção. Dentre eles, aqueles apresentados
pelo terceiro que passou a integrar o polo da demanda juntamente com a pessoa jurídica que
tivera a sua personalidade desconsiderada.
Porém, se a desconsideração da personalidade jurídica ocorrer após o trânsito em
julgado da sentença, o terceiro nada poderá fazer em relação a ela além da propositura de uma
ação rescisória, cujos requisitos não estão relacionados estritamente com a ampla defesa.
Também não poderá alegar que a sentença é nula sob tal argumento. O único argumento que
lhe restará será, eventualmente, a ilegitimidade para figurar nessa fase do processo.
É salutar que o magistrado, ao julgar procedente o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, o faça através de decisão modular. E duas serão as possibilidades, nesse
sentido: a modulação objetiva e a modulação subjetiva. Na modulação objetiva, definirá
exatamente quais serão as obrigações e as responsabilidades que tornarão inoponíveis as
previsões do contrato social. No modulação subjetiva, definirá quais serão, exatamente, os
terceiros que terão legitimidade para integrar o polo da demanda em litisconsórcio com a pessoa
jurídica.
Se a desconsideração for julgada procedente na fase de cumprimento da sentença, caberá
ao magistrado, na decisão, definir quais os sócios que efetivamente participaram do processo
em sua fase de conhecimento, sob pena violação aos postulados constitucionais da ampla defesa
e, por conseguinte do devido processo legal. Quem não participou será, invariavelmente,
ilegítimo.
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